domingo, fevereiro 28

Crianças que lêem

Fonte: Juris

Os especialistas estão de acordo numa coisa: as crianças que lêem têm muitas vantagens escolares e emocionais.
Yolanda Reyes, escritora colombiana, fundadora de um projecto de animação para o incremento da leitura, ajuda-nos a pensar e a incentivar a leitura junto dos mais novos.

Porque é importante que uma criança leia?
Por muitas razões: cognitivas, emocionais e culturais. Através da imaginação e de dar nomes ao que não existe, o pensamento humano pode transcender em todos os sentidos da palavra e lidar com categorias que não são tangíveis. Quando se abre a porta ao pensamento que chama o invisível, abre-se o mundo da cultura, a imaginação, a ciência, a literatura, a espiritualidade. A leitura e as histórias contadas pelos pais desde a primeira infância dão à criança o pensamento abstracto. E pelo lado do emocional, poder reconhecer, decifrar e saber que há outros que sentem o mesmo, é a melhor maneira de se aproximar dos sentimentos humanos e aprender a lidar até com o que não é fácil.


Os estudos demonstram que há baixíssimos índices de leitura e compreensão e nas famílias há muito poucos livros. Que estamos a fazer mal?
A pobreza cultural é como uma doença genética: transmite-se de geração em geração. Por isso é um tema que tem a ver com o político e o social. No âmbito doméstico, penso que o momento no qual mais leitores se perdem é na alfabetização inicial, pois desconhece-se que ler é um processo de complexidade crescente e que não se aprende em 9 meses. Também por ausência de modelos adultos. Se para os pais a leitura não ocupa nenhum lugar na sua vida, é muito difícil que isso interesse aos filhos, mesmo que os enchamos de discursos...

E o que se passa nas escolas?
A escola está centrada apenas na técnica e esquece o contexto. É como ensinar a nadar: ensinam-se os estilos mariposa, livre... mas também se ensina o prazer de desfrutar a piscina. Os livros são como a piscina, técnica apenas não serve para nada.

Um triângulo amoroso
O vínculo que se estabelece desde o nascimento do filho ou até antes, através dos contos, permite criar uma atmosfera íntima, diz Yolanda Reyes. Neste ambiente - em que as crianças têm os pais só para eles durante algum tempo - fundam-se as bases da sua futura capacidade como leitores. E aprende-se a associar a leitura com algo que dá prazer.

Que importância tem este triângulo amoroso entre os pais, o filho e o livro?
Eu acho que é fundamental. É aí que está toda a magia da voz e o poder da comunicação.

Que significa para uma criança que os pais lhe leiam?
É uma conversação profunda sobre a vida, em linguagem código, que permite deixar as pressas quotidianas e faz desaparecer a máscara domesticadora e educadora que todos nós, como pais, temos. A literatura permite dizer o que se sente, da coisa mais estranha até aos nossos medos.

Que importância tem na ligação entre pais e filhos?
É impressionante. As crianças que são abraçadas e acariciadas pelos pais através dos livros, sempre associam a leitura a esse prazer e a esse abraço.

Que erros cometemos como pais no esforço para que sejam bons leitores?
Obrigar a ler não funciona; seduzir e criar atmosferas para ler, funciona sempre. Não pode haver obrigatoriedade ou normas vazias, como «agora vamos todos ler 10 minutos». Um erro comum é pensar que todos temos que ser leitores da mesma maneira ou ler os mesmos textos ou que todos os filhos são iguais e o que o mais velho gosta o outro também vai gostar. Outro equívoco é pregar sem praticar. As crianças só acreditam naquilo que os adultos vivem.

Aprende-se a ler desde a primeira infância e não só na escola. Como favorecer este processo?
Tudo o que se faça antes é importantíssimo. Para muitas crianças familiarizadas com os livros, aprender a decifrar alfabeticamente é facílimo. Toda a ligação emocional e o ambiente circundante são significativos, são uma couraça protectora e fazem com que uma criança pense que vale a pena fazê-lo. As crianças que tiveram leituras e as abraçaram sobrevivem aos professores mais nefastos. O que as protege é o que antes se fez e que se deve continuar a fazer.

Mesmo que a criança já consiga ler sozinha, é preciso continuar a ler-lhe?
Sim, é importantíssimo continuar a fazê-lo, porque aí acontecem outras coisas. A leitura é alimento emocional, permite partilhar e criar atmosferas que de outra maneira não são fáceis de criar nesta vida moderna.

Que benefícios isso traz na aprendizagem da leitura e escrita?
As crianças aprendem de forma natural a entoação, os matizes da voz, a pontuação, as ironias da linguagem, os sentidos conotativos e toda a consciência metalinguística. As rimas, por exemplo, fazem com que desenvolvam mecanismos de jogo que mais tarde os ajudarão a aprender a ler. As crianças a quem leram pensam na língua de uma maneira diferente, desmontam-na, jogam com ela, ampliam o vocabulário, as qualidades interpretativas, usam mecanismos de contextualização... não dão conta e vão começar a ler.

Pode recuperar-se um mau leitor?
Pode-se sempre, como acontece com alguns adolescentes, quando descobrem que os livros dizem algo à sua vida e que não têm a ver com a escola, mas com eles mesmos. Até há pais que se transformam em especialistas em literatura infantil, mesmo sem nunca terem lido os clássicos.

Mãos à obra
Ler não é só pegar num livro. Também é muito bom contar ou inventar histórias, dizer quadras, jogos com palavras, adivinhas, ouvir canções ou cantar cantigas de embalar. Pode ser à hora da refeição, no caminho para a escola ou num simples passeio.

Criar uma pequena biblioteca
  • Não deve faltar, desde o nascimento, um livro de poemas da tradição oral e de poesia de autor, livros de encantar ou poemas para dormir.
  • Livros de imagens sem palavras, que a criança possa morder e dormir com ele.
  • Livros-álbum, com texto e imagens, a partir dos 2-3 anos, com pequenas histórias relacionadas com a exploração do mundo.
Artigo de Victoria Dannemann

Fotografias: Ralf Nau e Ghislain & Marie David de Lossy

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