A ciência moderna impregnou-se nos sistemas de ensino construindo mundividências materialistas, segmentadas, e reificadas de uma realidade, supostamente, distante e independente do observador que a estuda. Estas perspectivas, tendo por base as ópticas empiro-positivistas de Comte e Bacon e o racionalismo cartesiano, pressupõem a possibilidade de conhecer o mundo natural e têm por propósito o seu controlo e domínio. Em oposição a esta perspectiva, no século XX, pela mão de, entre outros, Kuhn e Feyerabend surgem as epistemologias de índole construtivista. Assim, na perspectiva ecocêntrica da ciência, esta assume o propósito compreender o mundo para (re)construir sociedades que adoptem os processos cíclicos do mundo natural em detrimento dos processos lineares, com baixos rendimentos, geradores de fortes assimetrias sociais e produtores de grandes quantidades de resíduos, característicos da antropocêntrica ciência moderna.
Os movimentos ambientalistas e ecológicos não estão isentos de responsabilidade na promoção desta mudança de paradigma que é tão urgente quanto imprescindível. O forte incentivo dado por estes sectores da sociedade aos aspectos mais inovadores do paradigma epistémico ecocêntrico, constituem um impulso fundamental à divulgação e reflexão neste novo modelo. Analisemos então algumas características da ciência ecocêntrica por oposição à sua predecessora a ciência antropocêntrica.
A ciência ecocêntrica, por oposição à inspiração mercantilista da ciência antropocêntrica, assume características promotoras da inclusão social e ecológica da humanidade enquanto indivíduo e enquanto espécie. Procura compreender o todo de forma sistémica e holística, abordando os problemas a partir da sua complexidade e assumindo a importância, mas também, a insuficiência da perspectiva analítica e redutora da ciência moderna. No paradigma ecocêntrico, o determinismo, o mecanicismo, e o behaviorismo modernos são abandonados a favor de uma perspectiva que assume a incerteza e se mostra, simultaneamente, interpretativa e crítica, reconhecendo o conhecimento como uma realidade socialmente construída. Salientamos o carácter dialógico e dialéctico da ciência ecocêntrica que promove a comunicação entre saberes tradicionalmente considerados como científicos e saberes que a ciência moderna, perante a sua visão disciplinarizada e com forte preocupações normativas em relação ao que é conhecimento científico, remeteu para as prateleiras das crenças e superstições. É neste cosmopolitismo epistémico que a ciência ecocêntrica inicia diálogos com outras áreas do conhecimento como as etnociências (conhecimentos de etnias e culturas tradicionais) ou com as filosofias orientais como é o caso do diálogo estabelecido entre a tradição budista e cientistas ocidentais provenientes de áreas do conhecimento tão diversas como a física ou a psicologia.
E a escola? Que esforço tem feito para se manter a par destas novas relações da humanidade com os saberes? Apesar de sentirmos empenho por parte dos movimentos ecológicos e de alguns cientistas da educação, parece-nos que os resultados estão muito aquém do desejado e do necessário. A estrutura espartilhada e disciplinarizada dos saberes, que caracteriza o nosso modelo escolar criado no século XIX, associada a uma cultura da competitividade fazem com que a escola se afaste cada vez mais dos propósitos de educar para a ecologia e para a sustentabilidade. É difícil desenvolver uma ecoliteracia e uma consciência social de elevado nível num contexto competitivo e exclusivo como é o da escola portuguesa como bem o denotam, as estatísticas do insucesso académico e do abandono escolar em Portugal. Esta situação agrava-se quando nos apercebemos das concepções modernas que alguns professores manifestam acerca conhecimento científico e das perspectivas ingénuas e antropocêntricas da sustentabilidade que estes apropriaram. Só assim podemos compreender que a educação ecológica surja, aos olhos de alguns docentes, como mais uma sobrecarga, aos já pesados currículos nacionais, que tem de ser leccionada. Numa atitude de incompreensível adormecimento pedagógico continuamos a formar especialistas analíticos que não possuem qualquer noção realista da situação global. Como afirma Boaventura de Sousa Santos, estamos a formar ignorantes especializados.
David Orr, adverte-nos que “toda a educação é educação ambiental” nem que seja pela ausência. Quando ensinamos física, economia, ou qualquer outra área do conhecimento (científico) e não fazemos a ligação destes saberes ao estado actual do mundo estamos a passar a mensagem de que não existe qualquer relação entre os conhecimentos. Urge então educar para a ecologia global, mas não apenas os jovens estudantes. Uma linha de acção fundamental consiste na reciclagem conceptual que a sociedade portuguesa tem de fazer e na qual os professores deverão estar sentados na fila da frente, para que a educação na nossa escola assuma, definitivamente, contornos ecológicos.
1 comentários:
Posso dizer do que escreveu, como aluno do 12.ºano, reparo muitas vezes que quando se ensina física que é, praticamente só cálculos, o professor só se preocupa com que acertemos nos resultados. Eu não percebo para que aquilo serve, qual a razão de estar a fazer aqueles cálculos, como eles surgiram, ou seja, não percebo nada, limito-me a permanecer na ignorância, algo que você refere como "...estamos a formos ignorantes especializados.", uma expressão que devo dizer que adorei.
Por vezes refiro isso ao professor, por exemplo numa das aulas do 2.º período mostrei-lhe um livro recomendado por si do Brian Greene - "O Tecido do Cosmos" e disse que o ia ler, como resposta recebo algo como "você gosta é de histórias" ou então "isso não interessa para a realidade", o que vai de encontro, na minha opinião, ao que você refere "Quando ensinamos física, economia, ou qualquer outra área do conhecimento (científico) e não fazemos a ligação destes saberes ao estado actual do mundo estamos a passar a mensagem de que não existe qualquer relação entre os conhecimentos.". É por esta razão que tenho saudades das suas aulas e daqueles intervalos em que o chateava, pelo menos aí a matéria ganhava algum significado que não fosse apenas cálculos e teórica/ conceitos aborrecidos.
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