O homem não nasce para trabalhar. O homem nasce para criar, para ser o tal poeta à solta.
Agostinho da Silva
Fonte: Open Forum
Estamos sempre a ouvir o velho lema: não trabalhes tanto, trabalha de forma mais inteligente! Tudo bem. Não tenho nada a opôr a trabalho duro, mas a frase "trabalhar de forma mais inteligente" implica trabalhar menos, ou de forma menos dura e conseguir melhores resultados ao fazer isso. Trata-se sem dúvida de uma ideia atractiva. Mas sei que não posso tornar-me mais inteligente de forma mágica. Por isso, o que é que significa realmente "trabalhar de forma mais inteligente" e de que forma é que isso se faz? Será que conseguimos mesmo obter melhores resultados no trabalho, trabalhando menos?
Dois exemplos ajudam a responder a estas questões - uma que nos chega de consultores, outra do desporto profissional.
De acordo com uma pesquisa de 2009 feita a 600 trabalhadores nos Estados Unidos pela Society for Human Resource Management (Sociedade para a Gestão dos Recursos Humanos), 70% dos empregados trabalham mais do que o horário de trabalho - ficando até tarde na empresa, levando trabalho para casa e trabalhando aos fins-de-semana. Mais de metade cita a "pressão auto-imposta" como razão. Em algumas indústrias, os números são ainda mais dramáticos.
Pesquisadores da Harvard Business School, Leslie Perlow e Jessica Porter, fizeram um questionário a 1000 pessoas em firmas de serviços profissionais (consultores, advogados, bancos de investimento e outros similares) e descobriram que quase metade trabalhava mais de 65 horas por semana, sem incluir as 25 horas que passavam agarrados aos seus Blackberrys fora do escritório. O trabalho é a primeira prioridade, com a vida pessoal num segundo lugar muito distante.
"Estas pessoas acreditam que a ética do "estar sempre disponível" é essencial para que elas e as empresas em que trabalham possam ter sucesso no mercado global," escrevem Perlow e Porter no seu estudo inovador que durou quatro anos e cujos resultados foram publicados no número de Outubro de 2009 da Harvard Business Review.
Como eu próprio trabalhei com e para uma série de firmas destas, sei por experiência própria que se trata do pensamento prevalecente. Mas será verdade?
A pesquisa de Perlow e Porter parece confirmar precisamente o oposto, que não trabalhar pode dar origem a um melhor resultado. Nesta experiência, foi pedido a membros de uma dúzia de equipas de consultores compostas por 4 ou 5 membros da Boston Consulting Group (BCG) para saírem todos uma vez por semana, todas as semanas, do trabalho às 6 da tarde em ponto, sem poderem ter qualquer contacto com a empresa, nem mesmo através dos Blackberrys.
Esta sugestão pareceu estranha a muitos, enervou imenso outros e alguns lutaram contra ela, com receio de uma performance pobre ou de ficarem com mais trabalho para o fim-de-semana. O objectivo era ensinar às pessoas que se podem desligar completamente durante um tempo e, mesmo assim, produzir excelentes resultados.
Funcionou. A pesquisa interna da BCG demonstrou que, em seis mêses, os consultores estavam mais satisfeitos com o seu trabalho e equilíbrio entre a vida profissional e pessoal, e com mais vontade de ficarem na empresa em comparação com os que não participaram no estudo. Além disso, a BCG comunicou a Perlow e Porter que as equipas produziram um trabalho de maior qualidade, em parte devido a um "diálogo mais aberto entre os membros das equipas" e que "a melhoria da comunicação também deu origem a novos processos que melhoraram a capacidade das equipas de trabalham de forma mais eficiente e efectiva."
Funcionou tão bem, que agora a BCG está a implementar esta estratégia em toda a empresa.Mas será que esta estratégia também funciona no desporto profissional, onde o treino exige uma progressão na carga de trabalho ao longo do tempo?
Lance Armstrong poderá responder que sim. Armstrong lutou para ganhar o seu quinto Tour de France consecutivo em 2003. Já não tinha mais horas durante o dia para treinar e durante a primavera gastou demasiada energia a perder o peso que tinha ganho durante o inverno. Quando começou a preparar-se para uma nova tentativa em 2004, para uma sexta vitória no Tour, sem precedentes, Armstrong e o seu treinador Chris Carmichael inventaram uma nova forma de treino.
Após examinarem o regime do ano anterior, concluíram que os métodos da velha escola não tinham especificidade, o que resultava num treino ineficiente. Os ciclistas ficavam nos selins durante seis horas ou mais, mas com níveis de intensidade acima ou abaixo do nível óptimo necessário para obter os ganhos desejados. Pensaram que, se tivessem objectivos mais específicos para cada treino, só quatro horas seriam suficientes para conseguirem aquilo que costumava demorar seis horas. Este tempo extra na bicicleta não era necessário ou útil e só causava fadiga e períodos de recuperação mais longos - era puro desperdício.
Concentraram-se por isso nas ineficiências do treino e nas inconsistências da dieta. Usaram instrumentos de medição na bicicleta para determinarem com precisão quando é que os objectivos e níveis específicos do treino tinham sido atingidos. Armstrong reformulou a sua dieta para que esta se adequasse ao seu regime de treino, o que lhe permitiu obter a nutrição necessária para equilibrar a saúde e a performance, sem as calorias em excesso que levavam ao excesso de peso indesejado.
Os resultados? Armstrong teve mais tempo de recuperação, o que por sua vez lhe permitiu um treino de maior intensidade num espaço de tempo bem mais curto. O programa também lhe permitiu ter mais tempo pessoal e mais flexibilidade para os seus compromissos com os media, sem comprometer a sua preparação ou performance. Ele ganhou não apenas o Tour de 2004, mas também o de 2005. Sete vitórias consecutivas no Tour de France é um recorde único, que ninguém, nem mesmo o próprio Lance Armstrong, conseguirá quebrar tão cedo.
Se pensarmos bem, Armstrong obteve melhores resultados trabalhando menos naquilo que estava contratado para fazer: correr de bicicleta.Ambos os exemplos ajudam a provar que trabalhar mais tempo e mais duramente pode levar a menores resultados e que aquele velho lema, sem dúvida, tem algo que se lhe diga.
Por isso, párem de trabalhar tantas horas e trabalhem de forma mais inteligente!Sobre o autor do texto: Matthew E. May é um consultor inovador e o autor do livro In Pursuit of Elegance: Why the Best Ideas Have Something Missing (Em Busca da Elegância: Porque é que falta algo às melhores ideias). O blog dele é aqui. E pode segui-lo no Twitter.
Fotografia de Rob Melnychuk
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