Silvio Alvarez traz a sustentabilidade para a arte através da colagem.
Se você é daqueles que após ler uma revista não se preocupa em levá-la para o lixo, saiba que está jogando fora a matéria-prima para a construção dos quadros de Silvio Alvarez. Desde 1989, o paulista produz colagens a partir de pequenos recortes de revistas e folhetos de propagandas que iriam para o lixo. Silvio conta que este trabalho começou de forma despretensiosa, na intenção de “extravasar sentimentos e reordenar a cabeça” durante um momento complicado de sua vida. A partir dali, Silvio reuniu todas as publicações possíveis, as gravuras mais interessantes e começou a colar de forma ordenada, dando vida a quadros que tratam visualmente da loucura que é viver nas grandes cidades. Além das obras, ele ainda realiza oficinas de colagem para grupos de várias idades e leva a combinação de Arte com Sustentabilidade em seus projetos artísticos desenvolvidos para empresas e workshops.
EcoD – Há uma forte influência da confusão das grandes cidades em suas obras. De onde surge esta conexão?
Silvio Alvarez - Nasci na capital, no bairro Jardim São Paulo, Zona Norte da cidade. Passei a maior parte de minha vida nesta que é a maior metrópole do país. Só que a conexão a que se refere veio surgir mesmo quando fui morar sozinho, pela primeira vez, já com mais de 30 anos. Residi por três anos em uma quitinete na Avenida São João, coração histórico da cidade. A profusão de personagens encantadores, a riqueza de tipos emocionais que viviam ao meu redor, aguçou meus sentidos. Morar ali, fazer amigos ali, experimentar soluções para meus problemas ali. Tudo isso mudou minha vida radicalmente. Curiosamente, hoje resido na pacata estância turística de Joanópolis, a 100 km de São Paulo. Vim para cá com meus pais há 12 anos e entre idas e vindas, acabei ficando.
Na confusão das metrópoles você encontrou a paz de cortar pequenas figuras com todos os detalhes. Um paradoxo, não é?
Sim, mas aí é que entra a importância de Joanópolis. Só consegui encontrar esta abençoada paciência aqui, neste recanto de paz com 12 mil habitantes. Costumo brincar que, ainda mais que o papel, a minha principal matéria-prima é a paciência. E a principal ferramenta, a minha bússola, é uma espécie de percepção intuitiva, que fui adquirindo com o tempo. Esta percepção norteia tudo, define quais as imagens e as tonalidades que devo buscar em publicações completamente diferentes umas das outras. Dentro desse processo, tudo é importante. A doação de revistas é básica e fundamental. Meus amigos e vizinhos me ajudam neste quesito, sem a doação de revistas tudo para.
Eles também te ajudam na criação das colagens ou este é um processo individual?
Este processo da criação é algo muito íntimo. Mas aí é que acontece algo bem bacana: amigos e vizinhos, que doam o material depois de lido, me contam que ao tomarem contato com o meu trabalho passam a não conseguir mais folhear as revistas como antigamente. Passam também a garimpar imagens, intuitivamente. “Olha esta, o Silvio Alvarez vai gostar. Veja esta outra, será legal para um quadro assim ou assado”. Isto é maravilhoso. A fraternidade, a generosidade encorajada pela colagem. De forma bem mais ampla, se conseguíssemos pensar na reciclagem e em todas as suas possibilidades este conceito fraternal poderia mudar o mundo, certo?
Como é o seu processo de criação? A ideia da obra vem antes do recorte ou é o próprio recorte que te diz como será o quadro?
As colagens vêm prontas em minha mente. Depois vou adaptando conforme o material encontrado nas revistas. Como disse um amigo, é como se fosse um quebra-cabeça só que tenho de recortar as pecinhas e o resultado a ser atingido não vem impresso na caixa, está na minha cabeça. Você está certo, quase sempre é o recorte, ou o conjunto de alguns deles, que define como será o quadro. A idéia central, o tema a ser tratado já está na minha mente desde o princípio.
Todos podem desenvolver a colagem com revistas antigas facilitando na redução do lixo...
Nas minhas oficinas de colagem, voltadas às crianças de todas as idades, procuro transmitir os conceitos básicos da técnica trabalhando também a conscientização a cerca da importância da reciclagem, mas sem discursos e falatórios chatos e rançosos. Quando a criança percebe, sozinha, que ela pode produzir algo muito bonito a partir do lixo, do que é menosprezado pelos demais, sua forma de pensar e de enxergar o mundo muda, radical e naturalmente.
Se formos notar, a colagem é uma boa metáfora para a vida, que se constitui de várias imagens coladas de forma desordenada. Somos nós que fazemos o mundo em que vivemos?
Nunca havia pensado nisso, assim, desta forma. Mas concordo com esta concepção! A colagem é uma imensa metáfora. Ela pode ser encarada como o mote central (sem deixar de ser criativo) de uma sociedade que já experimentou tudo, ou quase tudo. Crescemos caminhando e observando o mundo. Neste caminho vamos colecionando imagens mentais... Talvez o grande segredo da vida seja justamente sabermos escolher as referências certas, as imagens certas abrigadas em nosso ser. Certas para nós e para a coletividade.
Fonte: EcoD
Site de Silvio Alvarez: http://www.silvioalvarez.com.br
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