sábado, março 6

Gravidez e parto com apoio emocional: as Doulas de Portugal

O Outro ouviu falar das Doulas de Portugal e ficou curioso. Afinal, o que é uma doula? Resolvemos perguntar à Yara-Cléo Bueno tudo o que queríamos saber e queremos partilhar agora com os futuros mamãs e papás que, eventualmente, sigam o Outro.

Outro: O que é uma doula?
Yara: Uma doula é uma pessoa (geralmente uma mulher que já passou pela experiência de parto e maternidade, mas que também pode não ter ainda passado por essa experiência e que pode também ser um homem) com formação específica e vocação para o suporte emocional e informativo da mulher, durante a gravidez, o parto e/ou pós-parto.
Para além disso, a doula enquanto técnico que conhece profundamente a mulher com quem trabalha, pode prestar algum suporte físico, durante o parto e no pós-parto, através de técnicas não medicamentosas e não invasivas de alívio da dor, sugerindo posturas mais facilitadoras de um parto fisiológico e apoiando na logística familiar (pós-parto), na amamentação e nos cuidados básicos ao recém-nascido, sem nunca substituir o papel dos pais. A doula é alguém que acredita profundamente na sabedoria inata do corpo da mulher para parir e alimentar os seus filhos, que promove a autonomia e as escolhas informadas conscientes das mulheres com quem trabalha, para que se transformem em mães confiantes, responsáveis e protectoras.

É uma parteira?
Não, de modo nenhum. A doula não realiza qualquer tipo de exames ou procedimentos médicos, por isso não substitui qualquer outro interveniente no atendimento de saúde da mulher, grávida, parturiente ou que amamenta. Vem sim preencher um lugar importantíssimo, que o tempo e as modernas tecnologias hospitalares forçaram ao esquecimento, e que diz respeito ao lado emocional e de auto-conhecimento de todo o processo. É um trabalho personalizado, com uma forte componente científica e técnica, que mesmo o companheiro da mulher (o pai da criança) pode beneficiar, já que também ele está envolvido emocionalmente no processo de gestação e nascimento de um filho.

Que tipo de formação têm?
Proveniente das mais diversas áreas de conhecimento (psicologia, engenharia, direito, contabilidade, administrativa, etc.), a partir do momento que alguém percebe que guarda em si a vontade de apoiar mulheres nesta fase específica da vida, realiza um curso de formação inicial para doulas. A Associação Doulas de Portugal tem realizado muitos cursos destes, cuja composição está de acordo com o que é preconizado pelo movimento internacional para a Humanização do Parto e do Nascimento. Depois desta formação inicial, cada doula constrói a sua formação específica, com base nos seus interesses pessoais e nas necessidades que encontra do seu atendimento a mulheres, sendo, por isso, uma formação contínua. Muitas doulas optam por aprofundar os seus conhecimentos em cursos como o de Educadores Perinatais, Amamentação, Reflexologia, Shiatsu, Massagem para bebés, entre outros. De qualquer forma, existe sempre um trabalho de actualização constante, junto de fontes científicas fidedignas, para que a intervenção seja sempre a mais adequada em cada momento.

Quais os benefícios para as grávidas?
Os benefícios são diversos. Partindo de uma base essencial que é a promoção do auto-conhecimento da mulher (seus pensamentos, emoções e comportamentos) e da ligação da mente com o corpo, o trabalho da doula beneficia a mulher com uma diminuição da ansiedade, aumento do nível de conhecimento relacionado com o desenvolvimento da gravidez, aumento da responsabilidade da mulher em todo o processo (baseado na realização de escolhas informadas conscientes), aumento do sentimento de ligação com o bebé e com o seu companheiro, vivência mais gratificante de cada etapa (gravidez, parto e pós-parto), diminuição significativa da necessidade de intervenções médicas no parto, diminuição da necessidade de anestesia, nível de atenção e consciência mais elevados durante o parto, o que favorece uma maior receptividade ao bebé, diminuição do risco de depressão pós-parto e um aumento do sucesso da amamentação. Mas são tantos os benefícios, que o mais certo é ter escapado algum, na lista que referi.

E para os pais (homens) e bebés?
Essa pergunta é muito relevante, já que, apesar do trabalho da doula ser muito focado e dirigido para a mulher, acaba também por beneficiar muito o companheiro da mulher e o bebé.
Em relação ao bebé, por estar intimamente ligado à sua mãe, o facto de estar a ser gerado, parido e cuidado por alguém mais calmo, confiante e atento, age directamente no seu sistema sensorial e emocional, promovendo um estado de maior relaxamento e tranquilidade no bebé. Por outro lado, se a mulher consegue ter um parto mais gratificante, com mínimas ou nenhuma intervenção invasiva, também o nascimento passa a ser, para o bebé, uma experiência mais pacífica e com menor possibilidade de traumas físicos, como acontece, por exemplo, quando um bebé nasce com ajuda de forceps. Finalmente, ter uma mãe mais receptiva desde o primeiro minuto após o nascimento, favorece o estabelecimento precoce do vínculo entre ambos, o que é essencial para um adequado desenvolvimento psico-emocional do bebé e, ao ter maiores probabilidades de ser adequadamente amamentado, durante mais tempo, o bebé tem maiores probabilidades de se desenvolver integralmente com saúde, de acordo com as directrizes da OMS e UNICEF, derivado ao facto de obter todos os benefícios do leite materno.
Em relação ao companheiro: apesar de não ter um “cordão umbilical” físico que o ligue à mulher e ao bebé, é inegável que a gestação, o parto, o pós-parto e a amamentação de um filho produz alterações psíquicas e emocionais também no homem. Muitas vezes estes homens têm relatado que a presença da doula os “libertou” de um trabalho que se viam obrigados a desempenhar, muitas vezes sem saber bem como, angustiados pela interferência da sua própria ansiedade em relação aos fenómenos. Assim, passam a estar “livres” para viver plenamente a experiência da paternidade que, também no caso do homem, começa na gestação do bebé. Esta possibilidade dá espaço a que o homem se ligue de uma forma muito mais intensa e profunda ao seu bebé e à sua companheira, ainda durante a gravidez. O nível de ansiedade do homem também baixa, o que aumenta a capacidade deste se entregar totalmente à experiência do parto, juntamente com a sua companheira. No pós-parto, o facto de existir o apoio de alguém com conhecimentos técnicos relacionados com a facilitação da amamentação, por exemplo, também diminui a ansiedade do homem e do casal.

Existem estudos científicos que comprovem estes benefícios?
Todos os dados que tenho referido são referenciados na literatura científica e reconhecidos internacionalmente. Por exemplo, um estudo de 1993, de Kenne e Klaus, comparou um grupo de mulheres que tiveram partos acompanhados por doula (grupo experimental) com um grupo de mulheres que tiveram partos sem doula (grupo de controle), nos dois casos , mulheres com gravidezes de baixo risco. Este estudo comparativo refere para o grupo que teve doula: trabalhos de parto mais rápidos, 50% menos de cesarianas, 60% menos de pedidos de anestesia, 40% menos de recurso a forceps, entre outros resultados.
E, note-se, este apoio nem precisa provir de doulas experientes, já que o grupo experimental teve o apoio de doulas sem experiência.
Como o estudo que referi, existem uma série de outros, publicados em jornais e revistas como o Journal of Obstetrics and Gynaecology Research, a Biblioteca Cochrane, o British Med Journal, entre muitos. Foram esses estudos, aliás, que potenciaram a inclusão ou aceitação do trabalho das doulas em hospitais e casas de parto em vários países, como é o caso da Alemanha, da Holanda, dos Estados Unidos da América, etc.

Trabalham em conjunto com os médicos? Quais os Hospitais com que trabalham?
É fundamental que se saiba que o trabalho da doula não dispensa de modo nenhum o acompanhamento da mulher por técnicos de saúde. Qualquer doula da Associação Doulas de Portugal sabe a importância de apenas aceitar trabalhar com mulheres que estão a ser acompanhadas do ponto de vista médico. Agora, em relação ao trabalho conjunto do médico com a doula, tendo em consideração o aspecto de entreajuda de um trabalho conjunto, há que ter em conta vários aspectos:
A doula acompanha a mulher no percurso que esta escolheu para si, de forma consciente e informada. Se nos lembrarmos que também o trabalho de um médico se rege pelo princípio do consentimento informado, então faz todo o sentido a doula trabalhar em conjunto com o médico da mulher, isto apesar do trabalho da doula ser distinto, diferenciado e autónomo da intervenção médica em si. E quem diz médicos, diz enfermeiros-parteiros, que, de acordo com o preconizado pela OMS, são os técnicos de saúde indicados para acompanhar gravidezes e partos de baixo risco, ou seja, a generalidade das gravidezes e partos... A doula também pode colaborar com o homeopata, o acumpuntor ou qualquer outro especialista que a mulher considere importante associar ao acompanhamento médico necessário.
Eu diria que as doulas, por valorizarem o lado holístico do atendimento à mulher, estão disponíveis para trabalhar em conjunto com qualquer técnico interveniente no atendimento da gravidez, parto e pós-parto, no sentido de se alcançar um objectivo comum que é a saúde, a segurança, o bem-estar (físico e emocional) e a conquista de uma experiência o mais gratificante possível para a mãe e para o bebé, bem como a valorização da mulher e das suas escolhas responsáveis.
Em outros países esta colaboração acontece de forma muito saudável e com excelentes resultados, quer estejam as doulas integradas em equipas já definidas, quer as doulas sejam externas, contratadas pelas mulheres, como acontece em Portugal. No entanto, em Portugal, devido ao facto do trabalho da doula ser pouco conhecido, ou mesmo totalmente desconhecido, também por parte de técnicos de saúde, nos hospitais a ideia de inclui-las como “membros” da equipa tende a ser rejeitada. Não obstante, quando os técnicos de saúde aceitam o trabalho que a doula realiza junto da mulher e permitem que esta a acompanhe no parto hospitalar, verificam que esse trabalho traz vantagens como facilitar a comunicação com a grávida, diminuir a pressa da equipa em terminar o parto, permitindo um parto mais natural e com menos intervenções invasivas e aumentando também a gratificação da equipa médica com aquela experiência de parto.
Portanto actualmente, em Portugal ainda não existem hospitais que sejam conhecidos por contemplarem o trabalho das doulas; existem, sim, equipas, nos mais variados hospitais, que vão “abrindo as portas” à doula que acompanha a mulher e que, depois, reconhecem a vantagem desse acompanhamento.
Já nos partos domiciliares, o trabalho da doula realiza-se de forma muito cooperativa com o enfermeiro-obstetra da mulher.

Fala-me um pouco da Associação Doulas de Portugal. Como surgiu e qual o alcance geográfico?
A Associação Doulas de Portugal existe desde 2005 e nasceu da vontade que duas mulheres, Luísa Condeço e Carla Guiomar, tiveram de trazer para Portugal esta prática tão saudável do atendimento à mulher, que já estava a ser praticada noutros países europeus. Assim, a Associação é uma organização de doulas portuguesas, que tem o objectivo de promover e divulgar o trabalho da doula no nosso país, estando na frente de acção da Humanização do Parto e do Nascimento.
Por acreditar que todas as mulheres devem ter a oportunidade de ter serviços de uma doula, independentemente da região onde vive e da sua condição socio-económica, a Associação Doulas de Portugal promove a realização de cursos de iniciação e outros na área do apoio perinatal, parto e pós-parto, bem como favorece a rede de ligação entre todas as doulas associadas, no sentido de garantir que o trabalho de cada uma seja sempre actualizado e de qualidade. Todas as doulas associadas se regem por um código de conduta que pretende assegurar a objectividade, baseada em evidência científica, e a ética do trabalho junto da mulher, do casal e da família.
Neste momento, o alcance geográfico da Associação estende-se por todo Portugal Continental, sendo preocupação da Associação incluir na sua rede também as ilhas.

Gostaria de experimentar o apoio de uma doula durante a sua gravidez e parto? Contacte as Doulas de Portugal.

Veja a reportagem da RTP1:

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