segunda-feira, março 8

Jornalismo positivo

Na entrada do site da IM Magazine lê-se: O que melhor se faz no mundo, para um mundo melhor. É essa a missão da IM, que também está no Facebook. Um exemplo de jornalismo positivo, sob a direcção de Ana Teresa Silva. A ideia não é nova. Numa crónica de José Carlos Abrantes no DN, de 2004, podia ler-se o seguinte:

A jornalista do DN Leonor Figueiredo relatou, na secção Media, de 23 de Novembro, uma iniciativa pouco usual que se desenrola em França. A associação Repórteres da Esperança criou um prémio para estimular um jornalismo mais «positivo», editando também uma revista anual com o mesmo nome, sendo o n.º 1 feito com contribuições das principais publicações francesas.
Tudo isto em ligação com a UNESCO e com o apoio de nomes prestigiados como Jöel de Rosnay, Dominique Wolton, Hubert Reeves, entre outros. Na base da criação desta associação está a constatação feita num estudo em 2001: os franceses vivem a informação «em sofrimento».
No site da organização que gere esta iniciativa, PositiveNetwork (www.positive-network.org/), pode ler-se que «vivemos muitas vezes os problemas da actualidade com sentimentos de impotência. Ora, as respostas a esses problemas existem já, em germe, um pouco por todo o mundo. Alguns jornalistas sabem detectar essas soluções, essas fontes de esperança, essas iniciativas. Os seus artigos e reportagens incitam cada um de nós a ser actor de mudanças.»
Mas não há bela sem senão e mesmo as melhores intenções tropeçam na dura realidade. Críticas demolidoras, relacionadas com a cerimónia da entrega de prémios e os critérios de escolha dos jornalistas premiados, mesmo sobre as publicações escolhidas, podem ser lidas na Net (www.place-publique.fr/). Nem por isso o problema de fundo fica minimizado. Interroguei sobre este assunto Claude-Jean Bertrand, professor jubilado da Universidade de Paris II, especialista em ética dos media. Este assinalou-me, num e-mail, três grandes «manchas» (os paradoxos acompanham-nos!) no jornalismo actual:
1. O lado «icebergue» do jornalismo, que apenas dá atenção a uma pequena parte da realidade, cobrindo sobretudo alguns campos, como o político e os acontecimentos espectaculares;
2. A confusão entre a informação e o entretenimento;
3. O negativismo, que consiste em julgar desinteressantes as coisas positivas.
O investigador chama a esta última característica a «sinistrose» e considera que esta é causa de intenso pessimismo colectivo.
Sobre este negativismo, Claude- -Jean Bertrand lembra que «Os cidadãos dizem: "Comigo as coisas vão bem, mas a situação do país, do mundo, é terrível." E como se conhece mal a História, acrescenta-se: "Hoje é pior que nunca, nunca se conheceu tamanha infelicidade", embora nos países ocidentais as pessoas nunca tenham conhecido tamanha liberdade, prosperidade, saúde.» Ou seja, o que é do conhecimento directo é pensado positivamente, as representações do mundo, em grande parte resultantes da actividade informativa dos media, são avaliadas com forte pessimismo. Claude-Jean Bertrand sugere que se abandonem alguns mitos jornalísticos, entre os quais o de considerar que apenas as más notícias seriam «boas» notícias (a queda do Muro de Berlim ou a chegada do homem à Lua demonstram o contrário), bem como o abandono do hábito de mostrar o país através de uma visão medíocre, em lugar de analisar os problemas e dar a conhecer as soluções propostas.
Resultará desta situação algum pessimismo colectivo? Terá isso efeitos nas vendas, não desejando uma parte do potencial público leitor gastar dinheiro para «só ler desgraças», o que se ouve amiúde? Será que estes problemas não são comuns ao jornalismo português? Será que nós, portugueses, somos pessimistas inveterados, reflectindo os media apenas esse profundo mal-estar diário? Um editorial recente de José Manuel Barroso, O homem que mordeu o cão, mostra-nos que, também entre os jornalistas, há interrogações sobre se este negativismo é um caminho desejável para os media: «Será que tudo somado, notícia a notícia, edição a edição, reflectimos o País real ou um país virtual - visto sobretudo pelo que corre mal, pelo que não alcançamos?»
Inovações que revigorem o jornalismo tornam-se necessárias, abrindo portas que possam arejar práticas rotineiras geradoras de mais do mesmo. Já existem algumas iniciativas que procuram elevar os padrões de qualidade do jornalismo, embora muitas práticas o empurrem para terrenos movediços ou pantanosos. Federar práticas de qualidade é horizonte necessário, desejável e urgente. E positivo, o que não será de menor importância, na crónica de hoje.
Já há iniciativas que procuram elevar os padrões de qualidade do jornalismo

José Carlos Abrantes
Professor universitário


Embora haja críticas a este tipo de jornalismo, nomeadamente de que esconder o que está mal no mundo é coisa de ditadores, convenhamos que o prato da balança, neste momento, está muito desequilibrado. E é no fundo um equilíbrio o que iniciativas como a Associação Repórteres da Esperança e a IM Magazine procuram. Por isso, são muito bem-vindas pelo Outro. As boas notícias continuam a existir e são noticiadas, mas penso que todos nós, que lemos jornais e vemos televisão com regularidade, sabemos que o grande  enfoque é dado ao que de pior o ser humano tem: é a corrupção na política, a violência na guerra, a miséria, pobreza e doença... Curiosamente, é dado menos enfoque à ganância no mundo empresarial, que no ano passado levou ao suicídio de 25 empregados da France Telecom

De facto, é necessário equilibrar o prato da balança.

0 comentários:

Enviar um comentário